domingo, 27 de setembro de 2009

32 anos a fintar os defeitos de um órgão 'mal nascido'

Com um defeito de nascença no coração, Nelson fez inúmeros tratamentos e operações até ser operado em 2006. A qualidade de vida melhorou, mas o dia-a-dia sem problemas é recuperado lentamente
Idade 32 anos
Tempo de espera Perto de oito meses
Razão Cardiopatia congénita
São 20.00. A equipa do DN chega mesmo a tempo de dividir o ritual diário (pré-jantar) com Nelson Cravinho: uns quantos comprimidos e um líquido que mistura com um sumo de fruta. E a inocência aparente do sumo, colocado num minicopo com o símbolo do Benfica, não deixa adivinhar o efeito drástico que tem: o bloqueio do sistema imunitário de forma a segurar o novo coração.
São 14 as substâncias que tem de tomar todos os dias, divididas em doses em cinco a seis horas. Mas o peso da rotina em nada se compara com os 32 anos de caminhadas vagarosas e sufocantes. "Mal nasceu disseram-me que ele estava muito doentinho, mas eu não achava que fosse possível. Aos sete meses já tinha sete quilos... Comecei a acreditar nisso quando o via muito cansado e a transpirar enquanto mamava", conta a mãe, Mariete Cravinho.
A cardiopatia congénita (nasceu com ele) foi sendo acompanhada no Hospital de Santa Maria e, mais tarde, no Hospital de Santa Marta. Aos três anos, "fiz a primeira cirurgia, de correcção de uma válvula. Senti-me muito melhor. Depois disso só tinha de fazer exames de controlo". Mas isso não quer dizer que fizesse o mesmo que todas as outras crianças. "Corria menos e cansava-me rapidamente, mas até era engraçado ver os professores de educação física a deixar-me fazer o que eu queria", diz.
Por ironia ou pura sugestão deixada pelas limitações, o desporto sempre foi a área de eleição de Nelson. "Gostava de ter feito algo ligado ao futebol, como jogador ou não. Como não podia ir por um lado, tentei ir por outro", brincou. Tirou um curso em comunicação social com a esperança de ser jornalista desportivo. E assim foi. Pelo menos durante um ano cumpriu o seu sonho num jornal local, que acabou por falir. Depois disso, teve de fazer uma pausa, porque o coração não o acompanhava mais.
A operação que devia evitar o transplante mais algum tempo correu bem, mas a recuperação foi interrompida por uma acidente de carro grave que o fez regredir. "Com os danos no coração não pude fazer a fisioterapia necessária ao braço porque não aguentava". Quando a médica de Santa Marta lhe disse que tinha de fazer um transplante sentiu um balde de água fria. "Fiquei azamboado. Custou-me a aceitar a ideia. A verdade é que já não conseguia andar nem cem metros", suspira.
Desde os exames até ao transplante passaram oito meses, tempo suficiente para já desejar pôr um fim à espera. Em Outubro de 2006, foi chamado pelo hospital, onde foi operado às seis da manhã. "Não dormi nada. Sentia aquela ansiedade por poder não acordar". Agora tem mais qualidade de vida. Percorrer praias em areia molhada, passear e conhecer quintas, como a da Regaleira já são tarefas possíveis.
"Curioso é eu ter sempre problemas de coração e o meu pai morrer subitamente de enfarte em Junho", conta, pesaroso. Mais um obstáculo em plena recuperação. Mas Nelson recusa cruzar os braços, apesar de admitir que alguns sonhos ficaram para trás. "Gostava de ser jornalista, mas não posso estar demasiado stressado, mas quero voltar a trabalhar."

Diana Mendes DN

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