domingo, 27 de setembro de 2009

Só a lamechice não cabe no novo coração de Sandra

Passou por dois cancros e um transplante ainda antes dos 26 anos. Mas nada mudou na sua vida, que "ficou cada vez melhor", diz Sandra Canha. Até porque não faz parte do seu feitio dar parte de fraca
Sandra Canha
Idade 33 anos
Tempo de espera Menos de um mês
Razão Cancro no coração
"Não me ponham a dizer nada lamechas, que eu não sou assim." E não. Sandra Canha, com 33 anos, não é mesmo nada assim. Mesmo depois de ter ultrapassado dois cancros e um transplante cardíaco em cerca de dez anos.
A sua vida hoje, marcada por corridas aos hotéis da cadeia em que trabalha, parece repetir a sua batalha anos antes, numa altura em que corria entre o Hospital de Santa Marta e o Egas Moniz. Aos 19 anos, foi-lhe diagnosticado um linfoma de Hodgkin, que a obrigou a fazer quimioterapia durante um ano e radioterapia. "Suspeito que a radioterapia terá originado um cancro no coração", quando tinha apenas 25 anos. "Era aqui que incidia a radiação", conta, enquanto aponta para o peito.
O seu caso é único. Tão único que provocou o corrupio dos médicos das unidades hospitalares, pelo puro fascínio da aprendizagem. "Em Portugal era a única com um cancro no coração e penso que só havia mais um caso na Europa", diz. O problema foi detectado em 2001, depois de sucessivas queixas de cansaço ao mínimo esforço. E foi assim que se detectou uma massa no coração. "Só se soube que era um cancro depois de o doutor Fragata me ter feito uma cirurgia em Setembro." A única solução foi o transplante. De repente, passa para o topo da malfadada lista de espera. A razão da prioridade "era poder morrer. A qualquer momento!", contou, com a frieza de quem recusa ter pena de si própria. A idade dava garantias de uma evolução rápida do tumor, mas também tinha aspectos positivos, como a possibilidade de usar mais armas no combate da doença.
Em casa desde 22 de Novembro, "mesmo doentinha e de pijama", nem um mês esperou para ter um novo coração. "Correu tudo bem. Pior foi para quem ficou aquelas três horas à espera cá fora. Em nenhuma altura achou que algo fosse correr mal: "Nunca pus isso em causa. Quando soube o que tinha aos 19 anos, e mesmo aos 25, não foi fácil. Mas sempre achei que não se ia passar nada de grave, talvez por causa daquela inconsciência de juventude."
Na altura em que foi detectado o linfoma, tinha terminado o 12.º ano e preparava-se para concorrer para a faculdade. "Gostava de ser psicóloga, mas também não tinha nota para entrar no público." Em nenhuma ocasião a sua (falta de) saúde pôs em causa as aspirações. "Tive uma fase divertida, mesmo depois do transplante. Trabalhei neste hotel em part-time e até numa loja de transformação da Harley Davidson, que vendia peças de motas e as personalizava. E eu adoro motas!"
Sobre o que mudou na sua vida, além das "carradas de medicamentos", foca os cuidados enquanto imunodeprimida (para impedir a rejeição do novo coração). Em época de gripe A, teve de fazer algumas cedências. "Não saio à noite e não ando de transportes. Ontem tive mesmo de andar de metro e levei máscara. Mesmo assim fiquei cheia de medo." Na Net, encontrou pessoas transplantadas, com quem até viajou para a Tailândia. "Acho que é importante tirar dúvidas, porque há pouca informação. Ao olhar para outros doentes e ao vê-los bem ficamos mais descansados", assegura.

Diana Mendes DN

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