domingo, 27 de setembro de 2009

Ao terceiro coração uma vida normal

Amanhã comemora-se o dia mundial do órgão responsável por uma das maiores fatias de mortalidade entre os portugueses. O DN foi ouvir as histórias de três pessoas submetidas a um transplante cardíaco: o Vasco, com apenas seis anos, foi transplantado há quatro, mas ainda teve de viver com um coração artificial; Sandra passou por dois cancros - um deles, no coração, tornou-a única no País e fê-la liderar a lista de espera nacional; Nelson viveu mal quase 32 anos, devido a uma malformação de nascença. Os três tentam agora retomar uma vida com menos complicações. Tal como eles, outras 500 pessoas já receberam um coração de outra em Portugal. O primeiro transplante foi em 1986, em Lisboa
Vasco tem quase seis anos e ainda não fala. Mas nos seus olhos escuros e grandes consegue ler-se quase tudo. A alegria de ter hoje um quotidiano normal, longe das máquinas e do hospital, e de poder fazer algo tão simples como atirar o balão azul à irmã mais nova que gatinha pela sala. E uma enorme força de viver. Mesmo que o coração transplantado que lhe bate no peito há quatro anos lhe continue a traçar um futuro com muitas interrogações.
"É um lutador. Tem uma força e uma capacidade de dar a volta às situações incríveis", desabafa Carla Cruz, a mãe, respondendo com um abraço às investidas do filho, que tenta captar-lhe a atenção. Do seu rosto e discurso pode descortinar-se a mesma alegria por este presente tranquilo, que chega ao fim de um passado tão atribulado. Mas mais. No olhar de Carla lê-se também a enorme gratidão a uma equipa médica que fez tudo para lhe salvar o filho e que, na altura em que o seu coração natural quase deixou de bater, sugeriu algo até aí nunca realizado em Portugal: a colocação de um coração artificial.
Foi há quase cinco anos e o objectivo da equipa do Hospital de Santa Marta era clara: prender Vasco à vida enquanto não chegava a sua vez na lista de doentes à espera de um transplante. Vasco tornou-se, assim, no primeiro português a receber um coração artificial, atraindo todas as atenções mediáticas. "Foi um período muito complicado. Todos os órgãos dele já tinham problemas, deixou de comer e de respirar naturalmente", recorda Carla. "Mas confiámos inteiramente na equipa médica, pois eles sabiam que era aquilo que tinha de ser feito."
Durante 107 dias, Vasco sobreviveu com umas bombas exteriores ligadas ao coração e a um compressor, permitindo-lhe bombear o sangue para todo o organismo. Um equipamento pesado e complexo, que lhe condicionava os movimentos mas a que rapidamente se habituou. A cirurgia liderada pela equipa de José Fragata foi complicada. Mas a verdade, lembra a mãe, é que assim que saiu da sala de operações já vinha mais rosadinho. "Recuperou bastante, os órgãos começaram a funcionar e a sua condição física para o transplante melhorou imenso."
A notícia de que havia um coração saudável que poderia substituir o de Vasco chegou um dia, à hora de jantar, e obrigou a uma mobilização imediata. Era o que tinha de ser, a passagem à etapa seguinte. Mas a boa nova trouxe de novo a apreensão. "Sabíamos que aquele coração era provisório e que não podia viver com ele para sempre. Mas estava a funcionar. E tivemos medo, claro", lembra Carla, outrora profissional do ramo alimentar, agora mãe a tempo inteiro. Mas medo, prossegue, "medo tínhamos sempre". Ainda têm.
Vasco é hoje um menino com necessidades especiais e sujeito a terapias regulares que lhe permitem desenvolver a fala e outras capacidades. As suas dificuldades não derivam do transplante mas do vírus que, aos três meses de idade, se apoderou do seu corpo, debilitando--lhe o coração e causando sequelas cerebrais. O facto de viver com um coração transplantado traz sempre risco, reconhece a mãe, mas igual ao de todas as pessoas que fizeram um transplante.
Por isso, e porque o seu sistema imunitário tem de estar em baixo para que o seu organismo não rejeite algo estranho como um coração que não é seu, todos os cuidados são poucos. Em casa, as mãos lavam-se com frequência, os cuidados com a limpeza são extremos e mesmo uma febre aparentemente inofensiva é logo encaminhada para o médico. As saídas à rua são menos frequentes do que as de outros meninos da sua idade e Vasco ainda não vai à escola como o irmão Simão, de três anos. Em casa, entretém-se com o computador, o Canal Panda, os livros e os brinquedos. Sempre debaixo da atenção dos pais.
"Tentamos não expô-lo muito porque nunca sabemos o que pode acontecer", explica a mãe. Vive-se dia a dia, hora a hora e goza-se o momento presente, sem perder tempo a traçar planos para o futuro.
Idade 5 anos
Tempo de espera 6 meses
Razão Infecção aos três meses, que afectou o coração

Rita Carvalho DN

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